Nossos pés estão sujos de desmatamento, invasões e grilagens de terras
Roberto Rodrigues
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Há alguns meses, a imagem do Brasil vem se deteriorando no exterior, especialmente na Europa, em razão das notícias sobre o aumento do desmatamento ilegal na Amazônia. O tema da preservação ambiental vem ganhando cada vez maior relevância em todo o mundo, sobretudo entre a juventude, o que é uma boa garantia de que ficará ainda por muitas décadas sob observação e cobrança planetária. Devemos nos associar a isso equilibradamente.
Mas, de uns dias para cá, aconteceram dentro e fora do Brasil alguns novos movimentos.
Primeiro, há duas semanas, alguns fundos e empresas de investimento estrangeiros cobraram de embaixadores brasileiros no exterior explicações sobre esse aumento do desmatamento. Logo em seguida, redes de supermercados europeus informaram que poderiam, eventualmente, boicotar a importação de produtos brasileiros originados em áreas desmatadas à margem da lei.
E, na semana passada, cerca de 38 empresas e instituições instaladas no Brasil enviaram documento ao vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, solicitando providências para estancar esse desmatamento crescente, devido às suas novas funções na coordenação do Conselho da Amazônia.
Temos, pois, um problema a ser enfrentado e combatido com rapidez e rigor visíveis, ou o boicote pode, de fato, prejudicar as exportações brasileiras. E ainda pior: já existem resistências explícitas de alguns setores políticos europeus à implementação do anunciado acordo bilateral União Europeia-Mercosul, tão necessário para o aumento de comércio e de investimentos entre os dois blocos. Há um risco real.
Já não basta mostrar nossa reconhecida agropecuária sustentável, construída a duras penas sobre sólidos pilares de tecnologia e inovação; não bastam os programas voltados para a redução de emissões de gases de efeito estufa, como o espetacular Plano ABC com a integração lavoura/pecuária/floresta; ou a redução de quase 90% de emissões dada pela substituição da gasolina pelo etanol. Não basta a recuperação de pastagens degradadas e os quase 8 milhões de hectares de florestas plantadas. Ou os milhões de hectares de plantio direto. Não adianta termos o Código Florestal mais rigoroso do planeta, e quase dois terços do imenso território nacional ainda cobertos com vegetação nativa. Essas coisas são a nossa cara limpa da qual nos orgulhamos, mas nossos pés estão sujos de ilegalidade de desmatamento, invasões e grilagens de terras, incêndios criminosos.
E precisamos dar um basta nesses pontos, todos os brasileiros.
Os produtores rurais profissionais e suas entidades representativas já vêm sinalizando seu inconformismo com isso e a consequente erosão externa e interna da boa imagem que conquistaram. E esse desconforto deve se traduzir em apoio às ações de fiscalização que o general Mourão deverá implementar em conjunto com governos estaduais e até municipais da região.
Esse trabalho de fiscalização e responsabilização de culpados precisa também ser acompanhado da implementação do marco de regularização fundiária, novamente instando a articulação entre os três níveis de governo, porque assim será possível um programa de integração ao mercado de pequenos produtores ribeirinhos, que às vezes precisam cortar umas poucas árvores para sobreviver. São itens correlatos que se resumem em fazer cumprir as leis e criar condições de trabalho a tantos brasileiros miseráveis que nem sequer sabem que não podem desmatar.
Não temos que optar entre desenvolvimento e sustentabilidade: estes são dois componentes que o Brasil pode ter articulados, como mostrou o Código Florestal. Seremos, certamente, potência na preservação dos recursos naturais e na produção agropecuária, isolando radicalismos e ódios desnecessários.
Chega de ilegalidade. Na Amazônia ou em qualquer outra região: nem desmatamento, nem incêndio, nem invasão de terras, nem descumprimento de contratos.
E, aí sim, vamos em campanha vigorosa mostrar a cara e os pés limpos, não dando a ninguém o argumento para boicotar qualquer produto brasileiro em qualquer mercado.
Texto publicado no Estadão, e republicado aqui no Portal BAA com autorização do autor
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