“Temos que compreender melhor os fractais dos novos mosaicos da economia mundial e da economia brasileira, para não dar dois passos para trás depois de ter dado um passo para frente.”
Paulo R. Haddad
É uma tarefa inglória elaborar um cenário prospectivo de uma economia cuja evolução passa por forte inflexão causada por uma crise econômica inesperada. É o caso da atual crise econômica, ainda em processo, desde o início da pandemia do coronavírus. Dois exemplos históricos podem ser ilustrativos dessa imensa dificuldade que, frequentemente, leva os economistas a erros grosseiros em suas projeções e em seus aconselhamentos sobre o que fazer para a superação da crise.
Palpite infeliz
Em 1929, o Prof. Irving Fisher, considerado como um dos maiores economistas norte-americanos, admitia que os preços das ações na Bolsa de Valores de Nova York “atingiram o que parecia ser permanentemente um plateau elevado”. No dia 15 de outubro daquele ano, afirmava que “esperava ver em alguns meses o mercado de ações na Bolsa de Valores bastante melhor do que está hoje”. Duas semanas depois, na chamada “Quinta–Feira Negra”, houve a quebra na Bolsa, os valores das ações despencaram, iniciando a dramática crise de 1929, a qual se estenderia por uma década, atingindo todos os países do Mundo, embora com intensidade e impactos diferenciados.
Profecia equivocada
Em 2003, Robert Lucas, Prêmio Nobel de Economia em 1995, laudava em seu discurso na American Economics Association, as conquistas e o sucesso da análise macroeconômica “ao transformar as depressões econômicas em problema do passado e resolvido efetivamente por muitas décadas”. Em 2008, ocorreu novamente uma nova depressão na economia mundial, sendo que, para alguns analistas, os impactos socioeconômicos foram mais profundos do que aqueles causados pela crise de 1929.
Uma crise atrai a outra
A questão fundamental é que o capitalismo, com a integração generalizada dos mercados financeiros no sistema, após a II Grande Guerra, tornou-se um regime econômico marcado por uma sequência de instabilidades. E no processo de estabilização de uma economia instável germina a semente de uma nova instabilidade. Por exemplo: para equacionar os problemas do empobrecimento e da fome das famílias e da falência de milhares de empresas na atual crise, ampliou-se em seis vezes o déficit fiscal de 2020, o que passará a ser um fator de instabilidade econômica nos anos futuros. Nesse ambiente, ao se resolver um problema muitas vezes criam-se dois novos.
Crise que não produz anticorpos
Além do mais, cada crise tem características morfológicas específicas no contexto histórico em que ocorre, as quais inibem a adoção de soluções equivalentes às das crises anteriores. Em relação à crise de 1929, as atuais crises se dão em economias mais globalizadas, financeiramente mais especulativas, socialmente mais desiguais, mais propensas às rebeliões políticas dos movimentos sociais, mais predatórias dos ativos e serviços ambientais. Infelizmente, a crise de hoje não produz anticorpos para uma nova crise amanhã.
Num ambiente de instabilidades sequenciais, onde os sistemas desestabilizados desenvolvem uma posição mais estável para se desestabilizar novamente, seria mais recomendável evitar projeções mecanicistas e estar atento aos infinitos detalhes que emergem diariamente dos diferentes sistemas nacionais e multilaterais de informações. Temos que compreender melhor os fractais dos novos mosaicos da economia mundial e da economia brasileira, para não dar dois passos para trás depois de ter dado um passo para frente.
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